Só os narizes não crescem; ou, político mentiroso é redundância; ou, velhas raposas em pele de novos cordeiros

“Se todo mundo conhecesse a intimidade de todo mundo, ninguém cumprimentaria ninguém.” Essa é uma das muitas frases pitorescas que ajudaram a consolidar a reputação do saudoso Nelson Rodrigues como o mais polêmico dramaturgo e intelectual contemporâneo que já habitou esta terra, e não deixa de ter lá as suas razões.
Interessante é a capacidade humana de dissimular. Pergunte-se seriamente a alguém sobre seus defeitos e suas virtudes. Ninguém se autointitulará de mau, pervertido, corrupto, arrogante, mentiroso. Arranca-se no máximo uma confissão de ciumento, exigente, temperamental e outros adjetivos mais palatáveis. Mesmo as virtudes são expostas de forma calculadamente dissimulada, de modo a realçar de forma sutil a modéstia e a humildade, sentidos considerados politicamente corretos. Não sou diferente, vale ressaltar a quem já esteja nesta altura franzindo o cenho e me julgando um refinado hipócrita, um sonso desenxabido. Mas em verdade lhe digo: sou ao menos consciente de também portar tal falha primaz do arcabouço comportamental da espécie, o que inibe a exacerbação delas.
Seguindo a tendência, a temporada de caça aos votos é a desenvoltura da mentira elevada à mais alta potência. Não se pode desejar que de repente comece a se dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade. Mas este senso pernicioso se sofisticou e se personificou tanto na grande maioria dos políticos, que um e outro se tornaram indissociáveis. Como conseguem se eleger? Pelo senso latente e irresistível de amor ao Brasil e aos brasileiros, dizem sempre eles.
Alguém acredita? Em sua caminhada evolutiva, o homem entendeu que a verdade não cai bem. Nos mínimos detalhes está lá a impostura, a falsidade.
— Como vai você?
— Bem, obrigado.
Nem sempre as coisas estão boas e nem sempre o perguntador está realmente preocupado com sua “ida”. Mas os candidatos, que têm solução para tudo, extrapolam e mentem na maior caradura. Estão constantemente acabando com a pobreza, com a violência, com o desemprego, com a seca do Nordeste. Prometem amplas reformas e há quem se intitule capaz até de derrubar a lei da gravidade. Mas como essas mazelas são teimosas!
A verdade é que a mentira predomina nas relações humanas e está sacralizada na política. Nas próximas eleições estarão eles novamente com aquele ar angelical, as velhas raposas em pele de novíssimos cordeiros. A fortuna que é gasta nas campanhas sai obrigatoriamente de algum lugar. Ingenuidade acreditar que um financista investe o rico capital por amor à pátria, ou que o candidato promova sua campanha às próprias expensas por altruísmo. É a cascata novamente em proporções colossais, para daqui a quatro anos se fortificar nas mesmíssimas moléstias que definham hoje os brasileiros.
E vamos nós ao 6 de outubro legitimar mais uma vez a mentira. Que tenhamos sorte em escolher o menos mentiroso.
Publicado em setembro/2002