Aqui eu guardo meus escritos.

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Ter é imperativo, Ser é irrelevante. Maldita inversão!

Crente já ter visto de tudo nesses meus impávidos 49 anos de existência, no mínimo uns 40 lendo jornais, fui surpreendido por uma notícia chocante: Um cidadão (só me recordo do sobrenome, Wunder) carioca mata a família — três filhas adolescentes e a mulher — e suicida-se em seguida unicamente porque já não conseguia manter o alto padrão de vida material que ostentava.

Que me lembre de ficar tão perturbado, só os cruéis assassinatos do menino Serginho, aqui mesmo em Bom Jesus, em 1977 — crime que ficou conhecido como o caso “Zé do Rádio” (ele, o Zé, sequestrara e assassinara o sobrinho de 11 anos a pauladas e depois jogara o corpo no Itabapoana) — e da menina vitoriense Aracelli Cabrera Crespo, 8 anos, assassinada por pedófilos influentes da capital, logo após ser abusada sexualmente por eles, em 1973. Também na década de 1960, embora muito criança, muito me impressionaram as expressões horrorizadas dos adultos com o famoso caso “Fera da Penha”, um crime tão inacreditavelmente brutal, tanto na mecânica do ato quanto pelos motivos, que até hoje guardo muito vívido na memória. A comerciária Neide Maria Lopes, a fera de 22 anos assassinara com um tiro na cabeça e depois incendiara a pequena Tânia, de 4 anos, para se vingar do amante, pai da menina.

Esses três casos, no entanto, tiveram em comum o elemento da maioria dos crimes, que é o atentado contra o semelhante. No caso do Wunder a coisa ganha aspectos ainda mais dramáticos porque matou a própria família! O mais estarrecedor foi o motivo: a insolvência daquele que era um importante empresário carioca, e que já não conseguia sustentar o alto padrão de vida familiar. Tudo aconteceu de forma brutal, dentro da própria casa, nos quartos, sobre as próprias camas.

Os valores materiais elencados pelo homem contemporâneo acima dos méritos morais e espirituais (em toda a casa havia imagens de santos e máximas de cunho religioso, uma perversa ironia!) ocasionaram a tragédia. O que esse consumismo desenfreado, esse apelo irresistível está fazendo com a humanidade! Como é triste assistir principalmente a juventude totalmente perdida num sistema opressor que exige um videogame de última geração a cada seis meses, um par de tênis de R$ 300 a cada três e um jeans por semana! Como continuar a viver sem resistência aos apelos do consumo, sem saber dizer não ao dinheiro, profundamente frustrados se os bens são inferiores aos do vizinho? Terá o ser humano um dia a capacidade de “regredir” à tolerância de conviver sem as grifes, sem as viagens, sem as compras supérfluas e sem os restaurantes de luxo? Recuperará a capacidade de ficar um pouco sozinho, com as famílias, com as consciências, com o silêncio e a solidão? Filhos desaprenderão a cobrar, cobrar e cobrar sempre, sempre mais? Vivendo em bandos, competindo de modo insano para aparentar ser o melhor, o mais elegante, o mais poderoso, o indivíduo elege a vaidade e o egoísmo como valores básicos, e isso positivamente não se coaduna com os valores que deveriam balizar a vida.

Publicado em julho/2003