Tia Michelle é uma jovem professora da 2ª série do Ensino Básico da Escola Manoel Franco, em São José do Calçado/ES. É o seu primeiro ano nesta área sacrificante, a do Magistério, que tem infelizmente a atenção dos governantes de forma inversamente proporcional à enorme importância para o país. Reclamar com quem, entretanto, essa perversa inversão de valores? Com esse governo de Polichinelo? Com o papa?
É asqueroso que um deputado qualquer consuma num único mês, entre salários, mordomias e quejandos, o equivalente a 300 meses, ou 25 anos (quase uma carreira inteira), do vergonhoso vencimento das tias e tios brasileiros, sendo os professores os contribuintes pelo crescimento do país, e vários daqueles, pelo atraso, pela vergonha e pela injustiça social. A dedicação da Tia Michelle com seus alunos exemplifica a abnegação da maioria dos professores e das professoras brasileiros, movidos mais pela nobre causa da Educação do que pelos salários e condições precárias em que trabalham.
A vocação de educar é algo bonito porque significa compartilhar, produzir, modernizar, desalienar. Tal vocação é um dos mais sábios instintos da natureza humana, já que a própria perpetuação da espécie, de modo sustentável, passa obrigatoriamente pelo conhecimento. Meu filho Gabriel, de oito anos, estuda com a tia Michelle. Qual não foi meu espanto quando o vejo chegar certo dia, juntamente com alguns coleguinhas, em prantos, num chororô coletivo. Deles tomei conhecimento de que outros colegas, meninos e meninas, também estavam inconsoláveis porque a tia Michelle teria se despedido deles, iria assumir outra função não sei onde.
Até aí, nada demais, crianças costumam ter essas reações, depois se acostumariam com a outra tia. Qual nada! O chororô continuava numa progressão anormal, uma semana de olhos vermelhos, recusa em voltar para a escola, cochichos e comentários entrecortados de soluços, assunto “tia Michelle” sempre à tona até mesmo nos jogos de videogame, onde a alegria pela traulitada no vilão era neutralizada pelos sentimentos da lamentável perda.
Mas eis que a tempestade serenou, depois de uma semana de chuvas torrenciais. O choro se transformou em euforia, a tia Michelle continuará com eles, não sei se pela pressão emocional ou se decorrente de outras resoluções pessoais. O importante é que os lamentos cederam vez a vibrantes manifestações de alegria, a paz voltou a reinar.
Certamente que a tia Michelle vai gradualmente se aprimorar na profissão, se é que a levará adiante. A experiência gradativamente conquistada lhe apontará a forma de capitalizar esse seu carisma em prol de um ensino mais objetivo e proveitoso, para que a euforia infantil de agora se transforme em gratidão e reconhecimento adulto do futuro. Apesar da podridão política, que parece nunca ter fim!
Publicado em junho/2005